Biblioteca Científica
Reabilitação pulmonar e exercício na doença pulmonar obstrutiva crônica em tempos de pandemia de covid-19
setembro, 2021
Dr. Fabio Pitta
Introdução
No momento em que vivemos, é compreensível que as atenções dos profissionais e pesquisadores da área da saúde estejam principalmente voltadas aos esforços (tanto clínicos quanto científicos) para salvar vidas de pacientes acometidos pela forma grave da covid-19. O tratamento intensivo e semi-intensivo de pacientes agudamente acometidos tem sido o principal foco. No entanto, dois aspectos importantes não devem ser esquecidos:
Pacientes recuperados das formas mais graves precisarão se reabilitar das sequelas respiratórias e sistêmicas da doença, em especial aqueles já previamente acometidos por doenças respiratórias crônicas debilitantes, entre as quais a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), por sua prevalência e seu risco de morbimortalidade.
Pelo risco de contaminação, muitos pacientes com DPOC não acometidos pela covid-19 possivelmente fiquem sem qualquer acesso à reabilitação por todo o período da pandemia devido à suspensão dos programas ambulatoriais e até mesmo domiciliares, o que os torna mais suscetíveis a perdas físicas e psicológicas progressivas.
Soma-se a isso o fato de que possivelmente essa dificuldade em se realizar a reabilitação pulmonar tradicional ainda permaneça por um período considerável, enquanto a pandemia não chegar ao fim, visto que a chance de contaminação desses pacientes obviamente deve ser reduzida ao mínimo devido ao alto risco de mortalidade. Apesar de todos os desafios, é fundamental discutirem-se opções de como reabilitar esses pacientes de forma segura, porém também de forma a recuperar os deletérios efeitos do período pós-doença ou da falta de reabilitação àqueles em que ela é indicada e necessária.
Reabilitação em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica pós-covid-19
Os cuidados intensivos recebidos por pacientes que tiveram acometimento grave da doença comumente remetem ao uso prolongado de ventilação mecânica e de tratamento farmacológico complexo, além da imobilidade e do eventual desenvolvimento de outras complicações pulmonares, cardíacas, neuromusculares, renais, nutricionais, psicológicas e sociais, entre outras.1 Portanto, esses pacientes podem desenvolver diversas disfunções e sequelas, como fibrose pulmonar, redução da força e resistência da musculatura periférica e respiratória (associadas à fraqueza muscular adquirida na unidade de terapia intensiva [UTI]), limitações articulares e desenvolvimento/agravamento do descondicionamento físico e da dispneia,2 embora a real extensão das sequelas a médio e longo prazo ainda permaneça pouco conhecida.
Já pacientes que tiveram a forma mais leve da doença e não necessitaram de internação com cuidados intensivos podem desenvolver complicações mais rapidamente revertidas ou nem apresentar sequelas além das disfunções já preexistentes com a DPOC, o que não diminui a necessidade de atenção e cuidado com o retorno (ou mesmo início) do processo de reabilitação.
Pelo acometimento multissistêmico, a avaliação multiprofissional é fundamental. No entanto, levando-se em conta que pacientes podem permanecer contagiosos por semanas depois do contágio e da alta hospitalar,3 até mesmo depois do desaparecimento dos sintomas,4 apenas avaliações simples são recomendadas na alta hospitalar e nas primeiras semanas. Por exemplo, neste momento preconiza-se a aplicação de testes de exercício físico apenas mediante monitorização e cuidados sanitários rigorosos ou que se aguardem algumas semanas (seis a oito) até sua realização. Por isso, no caso da capacidade física, testes facilmente aplicáveis podem ser indicados, como short physical performance battery (SPPB), teste sit-to-stand, dinamômetros de preensão palmar ou testes musculares manuais.2 Pesquisadores europeus desenvolveram uma escala autorrelatada para a avaliação do estado funcional de pacientes acometidos pela covid-19, a escala post-covid-19 functional status,5 ainda sem versão validada em língua portuguesa. Ela classifica os pacientes com base no quanto a doença afeta a vida diária, indo do grau 0 (sem limitação funcional) até o grau 4 (limitação funcional grave). É importante ressaltar que as necessidades individuais também precisam fazer parte da avaliação, como necessidade de oxigênio, dificuldades de mobilidade e controle de sintomas como dispneia e fadiga.
Quanto à reabilitação físico-funcional em pacientes ainda presumivelmente contagiosos, as recomendações em geral têm se focado no ambiente domiciliar:
Pela dificuldade de monitoramento, é preferível neste momento orientar e estimular atividades de baixa intensidade, como aquelas com gasto energético < 3 múltiplos de equivalentes metabólicos (MET)6 ou aquelas que desenvolvem a sensação de dispneia e fadiga < 3 em uma escala de Borg de 0 a 10.2
Como uma prescrição mais detalhada de carga será de difícil realização, exercícios funcionais e de fortalecimento de simples graduação são preferenciais, com ou sem o uso de equipamento mínimo,2 e a evolução de carga deve ser feita com base nos sintomas.6
Pacientes com sintomas leves também podem ser submetidos às mesmas atividades de baixa intensidade, porém também com foco mais intenso em evitar longos períodos de sedentarismo (como ficar muito tempo sentado).6
Adicionalmente, a pandemia certamente tem o potencial de gerar iniciativas para desenvolvimento e uso da tecnologia na reabilitação. Telerreabilitação com utilização de ferramentas virtuais deve ser considerada, desde ligações de vídeo (ou mesmo apenas ligações ou mensagens de áudio) até softwares específicos, monitoramento à distância de sinais (como oximetria de pulso, frequência cardíaca e pressão arterial) e interações tecnológicas mais complexas, caso disponíveis.
Já em pacientes fora do período de disseminação do vírus e em isolamento social mais rigoroso (por exemplo, depois de seis a oito semanas ou depois da liberação das políticas sanitárias locais), diferentes opções podem ser utilizadas, como o retorno de atividades ambulatoriais cuidadosamente controladas/monitoradas ou o uso prioritário ou adicional da telerreabilitação (com possível telemonitorização), conforme já mencionado. Nesses casos, os princípios tradicionais de reabilitação e treinamento físico podem ser seguidos7 tanto na reabilitação ambulatorial (por exemplo, clínicas) quanto na domiciliar,8 obviamente se considerando as disfunções, prioridades e particularidades individuais.
Reabilitação em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica não infectados pelo coronavírus
Devido ao risco de contaminação e à presença da doença respiratória crônica em si, esses pacientes são de alto risco e certamente são alvo prioritário de iniciativas e cuidados que lhes permitam obter os benefícios da reabilitação da forma mais segura possível. Por não sofrer das sequelas da covid-19, no entanto, esses pacientes podem ser submetidos à reabilitação nos moldes mais tradicionais, seja de forma ambulatorial, seja de forma domiciliar,7,8 porém com cuidadosa atenção ao risco de infecção e monitorização à distância. Embora o tratamento ambulatorial tenha seus efeitos benéficos já classicamente reconhecidos em pacientes com DPOC, prevê-se que em muitos casos o tratamento domiciliar será a modalidade de escolha por razões de segurança. Isso não necessariamente reflete perdas, pois um recente estudo brasileiro randomizado e controlado complementa achados prévios9 demonstrando também segurança e efetividade do treinamento domiciliar mesmo em pacientes graves e dependentes de oxigênio.10
Considerações finais
Cabe ressaltar que, devido ao pouco conhecimento sobre a evolução da covid-19 e aos rumos da pandemia a médio e longo prazo, é recomendável que todos os procedimentos de avaliação e tratamento em que haja qualquer contato direto sejam cercados dos devidos cuidados recomendados para proteção individual.
Referências
-
1.
The Faculty of Intensive Car Medicine. Position statement and provisional guidance: recovery and rehabilitation for patients following the pandemic. 2020. Disponível em: . Acesso em: 5 jul. 2020.
-
2.
European Respiratory Society. Report of an ad-hoc international task force to develop an expert-based opinion on early and short-term rehabilitative interventions (after the acute hospital setting) in COVID-19 survivors. 2020. Disponível em: . Acesso em: 5 jul. 2020.
-
3.
Zhou F, Yu T, Du R, et al. Clinical course and risk factors for mortality of adult inpatients with COVID-19 in Wuhan, China: a retrospective cohort study [published correction appears in Lancet. Lancet. 2020;395(10229):1054-62.
-
4.
Chang D, Mo G, Yuan X, et al. Time kinetics of viral clearance and resolution of symptoms in novel coronavirus infection. Am J Respir Crit Care Med. 2020;201(9):1150-2.
-
5.
Klok FA, Boon GJAM, Barco S, et al. The Post-COVID-19 Functional Status scale: a tool to measure functional status over time after COVID-19. Eur Respir J. 2020;56(1):01494-2020.
-
6.
Barker-Davies RM, O’Sullivan O, Senaratne KPP, et al. The Stanford Hall consensus statement for post-COVID-19 rehabilitation. Br J Sports Med. 2020;bjsports-2020-102596.
-
7.
Spruit MA, Singh SJ, Garvey C, et al. An official American Thoracic Society/European respiratory society statement: key concepts and advances in pulmonary rehabilitation. Am J Respir Crit Care Med. 2013;188(8):e13-64.
-
8.
Wuytack F, Devane D, Stovold E, et al. Comparison of outpatient and home-based exercise training programmes for COPD: A systematic review and meta-analysis. Respirology. 2018;23(3):272-83.
-
9.
Pradella CO, Belmonte GM, Maia MN, et al. Home-based pulmonary rehabilitation for subjects with COPD: A Randomized Study. Respir Care. 2015;60(4):526-32.
-
10.
Kovelis D, Gomes ARS, Mazzarin C, et al. Effectiveness and safety of supervised home-based physical training in patients with COPD on long-term home oxygen therapy: A randomized trial chest. Chest. 2020;S0012-3692(20)30546-8.
Material destinado exclusivamente a profissionais de saúde habilitados a prescrever medicamentos.
Artigos relacionados
Grandes estudos e novas perspectivas: 5 highlights apresentados no congresso da ADA
ADA 2023: 6 pontos principais na atualização das diretrizes – com a Dra. Patrícia Gadelha
Estratégia de Adesão de Pacientes — Dr. Bruno Nogueira