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Exercícios na doença pulmonar obstrutiva crônica em tempos de pandemia de covid-19 e estratégias terapêuticas relacionadas
setembro, 2021
Dr. Marcelo Rabahi
CRM: 5.959-GO
A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) apresenta taxas de prevalência, morbidade e mortalidade que variam entre os países e até mesmo entre diferentes grupos no mesmo país.1
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), a DPOC afeta cerca de 600 milhões de pessoas em todo o mundo.2 No estudo The Latin American Project for the Investigation of Obstructive Lung Disease (PLATINO), em que foi avaliada a prevalência de obstrução de fluxo aéreo pós-broncodilatador em pessoas com idade acima de 40 anos em cinco grandes cidades da América Latina, no Brasil representado por São Paulo, foi identificada cerca de 15% de prevalência.3
Além disso, o impacto econômico é extremamente relevante. Nesse contexto, um dado dos EUA chama bastante atenção, pois estima-se que os custos americanos diretos e indiretos relacionados à DPOC estejam em torno de 50 bilhões de dólares anuais.1
Tendo em vista esse panorama, é preciso adotar estratégias de prevenção e tratamento da DPOC para o combate efetivo da doença, dada a dimensão desse problema de saúde pública. Na prevenção, a peça-chave é a cessação do tabagismo. No tratamento, a estratégia é apoiada inicialmente em dois grandes pilares: terapia não farmacológica e terapia farmacológica. Essas duas vias se associam e se complementam.
No contexto atual de pandemia, dentre as múltiplas abordagens terapêuticas, a prática de exercício físico e a reabilitação pulmonar no paciente com DPOC talvez sejam as vertentes do tratamento mais impactadas negativamente.4 Em meio à ampla disseminação da covid-19, por um lado, apesar de um período de quarentena ser a melhor opção e recomendação para interromper as infecções e a rápida disseminação, isso, por outro lado, pode ter efeitos colaterais em outras dimensões da saúde dos pacientes isolados, e especialmente nos pacientes mencionados acima, por estarem sob maior risco.4
O estado de isolamento social e quarentena implica uma mudança radical no estilo de vida da população, incluindo as atividades físicas e os exercícios. É provável que a permanência prolongada em casa possa levar a comportamentos sedentários e levem a um aumento do risco e potencial agravamento das condições crônicas de saúde.4
Embora os programas de reabilitação e exercício possam ser fechados, isso não significa que o paciente deva permanecer inativo durante esse período da pandemia da covid-19, nem que ele não continue a implementar suas estratégias de autogerenciamento em casa. É recomendável, inclusive, fazer caminhadas diárias enquanto com distanciamento físico de pelo menos 2 metros de outras pessoas e usar exercícios funcionais de resistência para treinamento de força em casa.5
A prática em casa usando vários exercícios seguros, simples e facilmente implementáveis é adequada para evitar a covid-19 e manter os níveis de condicionamento físico. Tais formas de exercício podem incluir, entre outras, exercícios de fortalecimento, atividades de equilíbrio e controle, exercícios de alongamento ou uma combinação deles. Exemplos incluem caminhar em casa, conforme necessário, levantar e transportar mantimentos, subir escadas, sentar usando uma cadeira e o chão, agachamentos, abdominais e flexões.6
O uso de plataformas on-line e vídeos de exercícios, focados no incentivo e no fornecimento de atividade física através da Internet, tecnologias móveis e televisão, são outros caminhos viáveis para manter a função física e a saúde mental durante esse período crítico.6
Uma metanálise de ensaios clínicos randomizados constatou que o treinamento físico sozinho ou com a adição de aconselhamento melhora significativamente os níveis de atividade física em pacientes com DPOC. Uma combinação de carga constante ou treinamento intervalado com treinamento de força fornece melhores resultados do que qualquer um dos métodos isoladamente.
O treinamento físico pode ser aprimorado com a otimização dos broncodilatadores, uma vez que tanto o antagonista muscarínico de ação prolongada (LAMA) quanto o beta-2 agonista de ação prolongada (LABA) demonstraram redução de necessidade de repouso e também da hiperinsuflação dinâmica.1
Nesse aspecto, há um grande número de evidências de que o tiotrópio (LAMA) pode aumentar a capacidade inspiratória, reduzir a falta de ar por esforço e melhorar o tempo de resistência ao exercício (TRE) em pacientes com DPOC. O LABA olodaterol é aprovado como tratamento de manutenção uma vez ao dia para pacientes com DPOC e demonstrou em dois estudos de crossover de seis semanas ser eficaz na melhoria da capacidade inspiratória, reduzindo a falta de ar ao esforço e aumentando a TRE em pacientes com DPOC moderada a muito grave.7
Os resultados do estudo MORACTO 1 e 2 demonstram que a associação tiotrópio/olodaterol reduz a hiperinsuflação pulmonar antes e durante o exercício em pacientes com DPOC em comparação com placebo e monoterapias isoladamente. O desfecho primário de melhora da capacidade inspiratória antes do exercício foi atingido,
com aumentos significativos quando usados tiotrópio/olodaterol 2,5/5 e 5/5 μg em comparação com tiotrópio 5 μg, olodaterol 5 μg e placebo.
Avaliações seriadas adicionais da capacidade inspiratória durante o exercício demonstraram que essas melhorias foram mantidas no momento e no final do exercício. Melhorias na capacidade inspiratória foram acompanhadas por um TRE significativamente mais longo com as duas doses de tiotrópio/olodaterol em comparação com o placebo.7
Considerando o tratamento do doente estável do DPOC, além das recomendações de atividade física, o LAMA é o medicamento inicial de escolha para pacientes com doença leve e sem exacerbações. Todavia, se o paciente apresentar dispneia, obstrução importante ao fluxo aéreo e hiperinsuflação pulmonar, combinar um LAMA com um LABA é mais eficaz; a utilização dos dois agentes (tiotrópio/oladaterol) fornecidos em um único inalador ajuda na otimização e adesão ao tratamento.8 A broncodilatação dupla também proporciona melhora nos sintomas de dispneia durante a vida diária, algo completamente desejável nos pacientes com DPOC.9
Referências
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1.
Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease. Global Strategy for the diagnosis management and prevention of chronic obstructive pulmonary disease. 2020. Disponível em: . Acesso em: ago. 2020.
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2.
Rabahi MF. Epidemiologia da DPOC: enfrentando desafios – Epidemiology of COPD: facing challenges. Pulmão RJ. 2013;22(2):4-8.
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3.
Menezes AMB, Jardim JR, Pérez-Padilla R, et al. Prevalence of chronic obstructive pulmonary disease and associated factors: the PLATINO Study in São Paulo, Brazil. Cad Saúde Pública / Ministério da Saúde, Fundação Oswaldo Cruz, Esc Nac Saúde Pública. 2005;21(5):1565-73.
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4.
Jiménez-Pavón D, Carbonell-Baeza A, Lavie CJ, et al. Physical exercise as therapy to fight against the mental and physical consequences of COVID-19 quarantine: Special focus in older people. Prog Cardiovasc Dis. 2020;63(3):386-8.
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5.
Bhutani M, Hernandez P, Bourbeau J, et al. Position statement from the Canadian Thoracic Society (CTS) COPD assembly steering committee addressing therapeutic questions to help canadian health care professionals optimize COPD management for their patients during the covid-19 pandemic. Canadian Thoracic Society. 2020;1-5.
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6.
Chen P, Mao L, Nassis GP, et al. Coronavirus disease (covid-19): The need to maintain regular physical activity while taking precautions. J Sport Heal Sci. 2020;9(2):103-4.
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7.
O’Donnell DE, Casaburi R, Frith P, et al. Effects of combined tiotropium/olodaterol on inspiratory capacity and exercise endurance in COPD. Eur Respir J. 2017;49(4):1601348
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8.
Celli BR, Wedzicha JA. Update on clinical aspects of chronic obstructive pulmonary disease. N Engl J Med. 2019;381(13):1257-66.
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9.
Troosters T, Maltais F, Leidy N, et al. Effect of bronchodilation, exercise training, and behavior modification on symptoms and physical activity in chronic obstructive pulmonary disease. Am J Respir Crit Care Med. 2018;198(8):1021-32.
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Material destinado exclusivamente a profissionais de saúde habilitados a prescrever medicamentos.
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