Simplicidade e eficiência no manejo da DPOC

Novembro, 2023

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Introdução

A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) é uma doença comum e tratável caracterizada por limitação do fluxo de ar consequente a inflamação crônica das vias aéreas.1,2 Estima-se que no mundo 400 milhões de pessoas são portadoras da doença e que a DPOC seja responsável por 3 milhões de mortes por ano (6% de todas as causas de óbito no mundo).1 No Brasil, a DPOC é a quarta causa de internação no Sistema Único de Saúde (SUS) e é responsável por aproximadamente 45.000 óbitos todos os anos (3ª causa de morte).3

Os principais sintomas da DPOC são dispneia, intolerância ao exercício tosse e sensação de aperto no peito.1 O principal mecanismo responsável pela dispneia é a hiperinsuflação pulmonar decorrente da inflamação e destruição das pequenas vias aéreas, presente já nos estágios iniciais da doença.4,5

Os objetivos do tratamento da DPOC são reduzir sintomas, melhorar a tolerância ao exercício, a qualidade de vida, prevenir as exacerbações, a progressão da doença e reduzir a mortalidade. Para isso, é fundamental o tratamento do tabagismo, a prática de exercícios físicos regulares e a vacinação contra influenza, pneumococo, SarCov-2, pertussis e herpes zoster.1,6

A base do tratamento medicamentoso da DPOC é o uso da associação de broncodilatadores inalatórios (antimuscarínico de longa duração, o LAMA e beta-2 agonista de longa duração, o LABA), os quais, melhoram os sintomas, a qualidade de vida, a função pulmonar e reduzem as exacerbações, mais do que seus monocomponentes isolados (figura 1).1,6

 Manejo farmacológico do DPOC sem tratamento prévio

                                                Figura 1. Manejo farmacológico do DPOC sem tratamento prévio. 

                                                Fonte: Referência 1.

Revisão sistemática comparou em pacientes com DPOC virgens de tratamento a associação de LAMA/LABA versus os monocomponentes. A dupla broncodilatação melhorou a dispneia, tolerância ao exercício, qualidade de vida, função pulmonar (VEF1), reduziu em 20% o risco de exacerbação e em 11% o risco de hospitalização versus LAMA e LABA isolados. A combinação de LAMA/LABA se mostrou igualmente segura ao uso de LAMA e LABA isolados.7

Caso Clínico

Paciente do sexo masculino, 68 anos de idade, branco, bancário aposentado.

Queixa de dispneia, acompanhada de intolerância aos exercícios, tosse pouco produtiva e sensação de aperto no peito há 5 anos. De antecedentes é ex-tabagista, 40 anos/maço, tendo parado há 3 anos; nega outras patologias e uso regular de medicamentos. Há 3 anos procurou um clínico geral que solicitou espirometria, fez o diagnóstico de DPOC e orientou o uso regular de salmeterol 50mcg + fluticasona 250mcg diskus® 2x ao dia e tiotrópio respimat® 5mcg/dia.

Com o tratamento inalatório melhorou da dispneia, intolerância ao exercício e não apresentou exacerbação nos últimos 2 anos. Há 1 ano me procurou para avaliação questionando se poderia suspender as medicações, pois estava bem, mas frequentemente apresentava rouquidão. Clinicamente se apresentava em bom estado geral, sem alterações relevantes no exame físico, com mMRC=2. Solicitado nova espirometria e hemograma (figura 2). Paciente com distúrbio ventilatório obstrutivo moderado sem resposta ao uso de broncodilatador, dosagem de eosinófilos no sangue periférico de 142 células/mm3, sem antecedente de asma, sem exacerbação nos últimos anos e com queixa de rouquidão, possivelmente associada ao uso corticoide inalado (CI). Minha conduta foi suspender o CI e trocando a tripla terapia por tiotrópio/olodaterol respimat®. Encaminhei para iniciar reabilitação pulmonar e vacinação contra pneumococo, influenza, pertussis e herpes zoster. Paciente retornou, após 3, 6 e 12 meses após a retirada do CI, em todas avaliações continuava clinicamente bem, sem rouquidão, mantendo mMRC entre 1-2 e não apresentou nenhuma exacerbação.

Espirometria e Hemograma do paciente. Fonte: Exames do paciente

                                               Figura 2. Espirometria e Hemograma do paciente. 

                                               Fonte: Exames do paciente.

Discussão

O manejo farmacológico da DPOC é baseado no uso de broncodilatador. O CI deve ser prescrito somente para pacientes já em uso de dois broncodilatadores, que persistem exacerbando e com ≥100 eosinófilos/mm3 no sangue.1,6 Existe um super uso de CI para DPOC no mundo, expondo pacientes sem indicação a riscos de efeitos adversos. A European Respiratory Society (ERS) publicou documento orientando retirar o CI quando não indicado no tratamento medicamentoso da DPOC (figura 3).8 No caso clínico, o paciente não tem antecedente de asma, não era exacerbador, apresentava 142 eosinófilos/mm3 no sangue e rouquidão associada ao uso de fluticasona. Conforme sugerido pela ERS, optamos pela retirada do CI, mantendo a broncodilatação máxima, em um único inalador. Estudo de vida real no Reino Unido comparou 1.046 pacientes com DPOC que retiraram o CI (step-down), com 4.184 que mantiveram o tratamento com tripla terapia. Após um ano não houve aumento no risco de exacerbação; HR = 1,04 (95% CI 0.94–1.15; p = 0,441) (figura 4). Também não ocorreu piora dos sintomas, da qualidade de vida e da função pulmonar. Apenas nos pacientes com ≥300 eosinófilos/mm3 no sangue, exacerbadores e com necessidade de uso frequente de corticoide oral houve aumento do risco de exacerbação.9

Orientação da ERS para manutenção ou retirada do CI na DPOC. Fonte: Referência

                                           Figura 3. Orientação da ERS para manutenção ou retirada do CI na DPOC. 

                                           Fonte: Referência 8.

 

Simplicidade e eficiência

                                       Figura 4. Tempo até a primeira exacerbação da DPOC com e sem o CI. 

                                       Fonte: Referência 9.

Conclusão

O tratamento farmacológico recomendado para pacientes portadores de DPOC é a associação da LAMA/LABA. O CI só deve ser utilizado em paciente com antecedente de asma e nesses, associado a dupla broncodilatação. Pacientes em uso de CI, sem indicação, devem ser submetidos a step-down, mantendo-se broncodilatação máxima.

Autor: Dr. José Eduardo Cançado - CRM: 53.862/SP

Referências
  • 1.
    Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease. Global strategy for the diagnosis, management, and prevention of chronic obstructive pulmonary disease; 2023. Disponível em: https://goldcopd.org/2023-gold-report-2/ (acessado em 25 de agosto de 2023).
  • 2.
    Agustí A, Hogg JC. Update on the Pathogenesis of Chronic Obstructive Pulmonary Disease. N Engl J Med. 2019 Sep 26;381(13):1248-1256.
  • 3.
    Pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica ganham mais uma opção de tratamento no SUS [Internet]. Ministério da Saúde. Available from: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2020/dezembro/pacientes-com-doenca-pulmonar-obstrutiva-cronica-ganham-mais-uma-opcao-de-tratamento-no-sus.
  • 4.
    Higham A, Quinn AM, Cançado JED, Singh D. The pathology of small airways disease in COPD: historical aspects and future directions. Respir Res. 2019 Mar 4;20(1):49.
  • 5.
    Singh D, Long G, Cançado JED, Higham A. Small airway disease in chronic obstructive pulmonary disease: insights and implications for the clinician. Curr Opin Pulm Med. 2020 Mar;26(2):162-168.
  • 6.
    Fernandes FLA, Cukier A, Camelier AA, Fritscher CC, Costa CHD, Pereira EDB, Godoy I, Cançado JED et. Al. Recomendações para o manejo farmacológico da DPOC: Perguntas e Respostas. J Bras Pneumol Jul-Aug 2017;43(4):290-301.
  • 7.
    Mammen MJ, Pai V, Aaron SD, Nici L, Alhazzani W, Alexander PE. Dual LABA/LAMA Therapy versus LABA or LAMA Monotherapy for Chronic Obstructive Pulmonary Disease. A Systematic Review and Meta-analysis in Support of the American Thoracic Society Clinical Practice Guideline. Annals of the American Thoracic Society. 2020 Sep;17(9):1133–43.
  • 8.
    Chalmers JD, Laska IF, Franssen FME, Janssens W, Pavord I, Rigau D, et al. Withdrawal of inhaled corticosteroids in COPD: a European Respiratory Society guideline. European Respiratory Journal. 2020 May 4;55(6):2000351.
  • 9.
    Magnussen H, Lucas S, Lapperre T, Quint JK, Dandurand RJ, Roche N, et al. Withdrawal of inhaled corticosteroids versus continuation of triple therapy in patients with COPD in real life: observational comparative effectiveness study. Respiratory Research. 2021 Jan 21;22(1).

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