O uso de tiotrópio na asma: da evidencia à prática clínica

Junho, 2023

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A asma tem um impacto significativo em todo o mundo, afetando milhões de pessoas e suas famílias. A asma é uma das doenças crônicas mais comuns no mundo, envolvendo os brônquios, com sintomas respiratórios recorrentes ou contínuos (dificuldade respiratória, sibilância e tosse), que muitas vezes resulta em limitação da qualidade vida, perda progressiva da função pulmonar, e risco de hospitalização e morte. Além disso, a asma gera um impacto substancial para os sistemas de saúde, com elevados custos diretos e indiretos.1 A maioria dos pacientes com asma convive com o não controle da sua doença, o que destaca a necessidade de ações para maior conscientização da doença, melhor acesso a atendimento especializado e implementação de estratégias de prevenção e controle eficazes em todo o mundo. Na última década, novas terapias (broncodilatadores anti-muscarínicos de longa ação e imunobiológicos) surgiram, permitindo que pacientes com asma moderada a grave obtenham melhor controle da doença e qualidade de vida, com menores riscos futuros (hospitalização, eventos adversos pelo uso de corticoide e morte).2

O Tiotrópio Respimat®, um broncodilatador anticolinérgico de longa ação (LAMA), tem ocupado um espaço central nos últimos anos como uma opção de tratamento potencial para a asma em crianças e adultos, especialmente para aqueles classificados nas etapas 4 e 5 de acordo com a Global Initiative for Asthma (GINA).1 O tiotrópio atua bloqueando os receptores muscarínicos nas vias respiratórias, resultando em broncodilatação e redução da constrição do músculo liso. Esse mecanismo de ação é diferente daqueles do corticoide inalatório (CI) e do beta-2 agonista de longa ação (LABA), tornando o tiotrópio uma terapia adicional para pacientes com resposta parcial à terapia convencional (CI + LABA). Seu dispositivo Respimat® apresenta elevada deposição pulmonar da medicação, com uma névoa suave, que pode ser utilizado direto na boca ou com espaçador em crianças menores. Ao agir em uma via diferente, o tiotrópio oferece uma alternativa de atuação mecanística para o manejo da asma mais grave.3 Neste material, será apresentada uma revisão atual para a prática clínica referente ao uso de tiotrópio na asma moderada e grave.

Tiotrópio na asma moderada a grave em crianças, adolescentes e adultos

O UniTinA-asthma® é um programa de estudos clínicos que foi desenvolvido para avaliar a eficácia e segurança de tiotrópio na asma. Foram avaliados mais de 6.000 adultos e crianças com asma moderada a grave, em aproximadamente 150 centros no mundo.4-10 Este programa permitiu gerar evidências robustas de eficácia e segurança do tiotrópio na asma, em crianças, adolescentes e adultos. A seguir serão apresentadas as evidências de eficácia e segurança do tiotrópio em pacientes adultos e pediátricos:

  • Tiotrópio em adolescentes (12-17 anos) e adultos: vários ensaios clínicos investigaram a eficácia do tiotrópio em adultos com asma grave que não está controlada apesar do uso de doses altas de CI associado a LABA.4-6 Notavelmente, o estudo PrimoTinA-asthma demonstrou que adicionar o tiotrópio à terapia convencional melhorou significativamente a função pulmonar, reduziu as exacerbações e melhorou o controle da asma em comparação com o placebo.4 (Tabela 1)

  • Tiotrópio em crianças (6-11 anos): as evidências para o uso do tiotrópio em crianças com asma grave são bastante sólidas, com ensaios clínicos randomizados realizados em asma moderada e grave, em pacientes de 6-17 anos.7-10 Esses estudos demonstraram, como em adultos, melhora significativa da função pulmonar, e redução de exacerbações em comparação com o placebo. Esses achados indicam que o tiotrópio pode ser uma opção de tratamento valiosa para crianças com asma grave que não têm controle adequado com as terapias convencionais. (Tabela 1)

Tabela 1: Estudos UniTinA com tiotrópio realizados em adultos, crianças e adolescentes com eficácia documentada em relação a melhora da função pulmonar como desfecho principal.4-10

 

 

 

Side effectIdadeTratamento     
comparador
Número de pacientes     
randomizados (n)
Duração     
(semanas)
PrimoTinA-asthma1AdultosCI/LABA91248
MezzoTinA-asthma2AdultosCI/LABA e CI2.10324
GraziaTinA-asthma3AdultosCI46412
RubaTina-asthma7AdolescentesCI39848
VivaTinA-asthma10CriançasCI/LABA39812
CanoTinA-asthma9CriançasCI30112
 

 

- CI: corticoide inalatório; LABA: broncodilatador beta-agonista de longa ação

  • Metanálises com tiotrópio em asma: revisões sistemáticas com metanálises têm consistentemente mostrado, em adultos e pacientes pediátricos, que o tiotrópio, como terapia adicional, melhora a função pulmonar e reduz as exacerbações nessa população de pacientes.11,12

  • Segurança e tolerabilidade: tão importante quanto a eficácia, o tiotrópio mostrou ter um perfil de segurança elevado em adultos e crianças. Os eventos adversos mais comumente relatados incluem boca seca e irritação localizada, que geralmente são leves e transitórios. Os efeitos anticolinérgicos sistêmicos são mínimos devido à sua baixa absorção sistêmica, reduzindo o risco de efeitos colaterais sistêmicos.2,11,12

Recomendações da GINA 2023

Reconhecendo as evidências sólidas em mais de 6 mil pacientes estudados, o relatório da GINA mantém já há muitos anos o tiotrópio como uma terapia adicional para pacientes nos níveis 4 e 5 do manejo da asma, sendo uma escolha preferencial na etapa 5. Essa inclusão destaca a importância principal do tiotrópio na melhora da função pulmonar, e na redução de exacerbações em indivíduos com asma grave.2

Aplicação clínica

Todo paciente com asma não controlada, em uso de CI em dose moderada a alta, associado a LABA, com ou sem anti-leucotrieno, merece ser criteriosamente avaliado, com acompanhamento clínico frequente nos primeiros meses por um especialista, para seu melhor diagnóstico e manejo. Após exclusão de outras doenças e otimização do tratamento (avaliação da técnica inalatória, adesão ao tratamento, fatores ambientais relevantes, e manejo das co-morbidades), o tiotrópio é uma opção preferencial de escolha para esse paciente, independente de qualquer fenótipo da asma ou de marcador biológico.2 O tiotrópio, atualmente, na prática clínica, é uma opção de tratamento na asma moderada a grave, em pacientes maiores de 6 anos de idade, com o potencial de permitir utilizar doses menores de CI na asma moderada e de evitar o uso de imunobiológicos em alguns pacientes com asma grave. Estudos de vida real com tiotrópio em asma são necessários para avaliar melhor os seguintes desfechos: 1) redução de exacerbação, 2) efeito poupador de uso de corticoide, 3) custo-efetividade em asma grave, e 4) eficácia em evitar indicação e uso de imunobiológicos.

Conclusão

As evidências atuais apoiam o uso do tiotrópio como uma terapia adjuvante para o manejo da asma, em pacientes maiores de 6 anos de idade, nas etapas 4 e 5 do relatório da GINA de 2023. O mecanismo de ação único do tiotrópio, a eficácia demonstrada e o perfil de segurança favorável tornam o tiotrópio uma alternativa atraente no novo arsenal terapêutico para pacientes com asma moderada a grave que não respondem adequadamente às terapias convencionais (CI + LABA). Como em qualquer tratamento médico, as características e preferências individuais do paciente devem ser consideradas ao tomar decisões de tratamento, e o profissional médico deve monitorar de perto os pacientes quanto à resposta ao tratamento e eventos de medicações concomitantes.

Autor:     
Paulo Pitrez CRM/RS: 20.324

- Pneumologista Pediátrico do Pavilhão Pereira Filho, Hospital da Santa Casa de Porto Alegre

- Professor do PPG de Pediatria da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA)

- Membro do Comitê Científico da Global Initiative for Asthma (GINA)

Referências

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    The Global Asthma Report 2022. Int J Tuberc Lung Dis. 2022;26:1-104.
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    Global Initiative for Asthma - Global strategy for asthma management and prevention. Updated 2023. (http://www.ginasthma.org.).
  • 3.
    Mansfield L, Bernstein JA. Tiotropium in asthma: From bench to bedside. Respir Med. 2019;154:47-55.
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    Kerstjens HA, Engel M, Dahl R, et al. Tiotropium in asthma poorly controlled with standard combination therapy. N Engl J Med. 2012;367:1198–1207.
  • 5.
    Kerstjens HA, Casale TB, Bleecker ER, et al. Tiotropium or salmeterol as add-on therapy to inhaled corticosteroids for patients with moderate symptomatic asthma: two replicate, double-blind, placebo-controlled, parallel-group, active-comparator, randomised trials. Lancet Respir Med. 2015;3:367–376.
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  • 8.
    Hamelmann E, Bernstein JA, Vandewalker M, et al. A randomised controlled trial of tiotropium in adolescents with severe symptomatic asthma. Eur Resp J 2017;49:1601100.
  • 9.
    Vogelberg C, Moroni-Zentgraf P, Leonaviciute-Klimantaviciene M, et al. A randomised dose-ranging study of tiotropium Respimat® in children with symptomatic asthma despite inhaled corticosteroids. Respir Res. 2015;16:20.
  • 10.
    Stanley J. Szefler, MD,a Kevin Murphy, MD,b Thomas Harper III, et al. A phase III randomized controlled trial of tiotropium add-on therapy in children with severe symptomatic asthma. J Allergy Clin Immunol. 2017;140:1277-87.
  • 11.
    Rodrigo GJ, Castro-Rodriguez JA. What is the role of tiotropium in asthma?: A systematic review with meta-analysis. Chest. 2015;147(2): 388–396.
  • 12.
    Rodrigo GJ, Neffen H. Efficacy and safety of tiotropium in school-age children with moderate-to-severe symptomatic asthma: A systematic review. Pediatr Allergy Immunol. 2017;28:573–578.

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