Doenças Cardiovasculares e DPOC
Outubro, 2023
Leia ou ouça este conteúdo:
Introdução
A Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) é uma condição pulmonar heterogênea caracterizada por sintomas respiratórios crônicos (dispneia, tosse, produção de escarro e/ou exacerbações) devido a anormalidades das vias aéreas (bronquite, bronquiolite) e/ou alvéolos (enfisema) que causam obstrução persistente, muitas vezes progressiva, do fluxo aéreo1.
Em todo o mundo, atinge 300 milhões de pessoas2 e já é a terceira maior causa de mortes3.
No Brasil atinge 13 milhões de pessoas4,5, sendo que apenas 12% são diagnosticadas6. Para piorar, dos pacientes diagnosticados, apenas 18% seguem o tratamento corretamente6.
Entre 2017 e 2021 foram mais de 510 mil internações7,8. O tempo médio de internação foi de 6 dias7,8. Quase 10% desses pacientes foram a óbito7,8 e os gastos ultrapassaram 510 milhões de reais7,8.
A DPOC frequentemente coexiste com outras doenças, que podem ter um impacto significativo no prognóstico9. Algumas surgem independentemente da DPOC, enquanto outras podem estar relacionados causalmente, geralmente com fator de risco compartilhado (tabagismo)10.
O manejo do paciente com DPOC deve incluir identificação e tratamento de suas comorbidades. É importante ressaltar que comorbidades associadas à DPOC são comuns em qualquer grau de gravidade11 e podem passar despercebidas, como por exemplo, insuficiência cardíaca e câncer de pulmão, que devem ser sempre suspeitadas na condução da doença.
O diagnóstico diferencial muitas vezes pode ser difícil. Em um paciente com DPOC e insuficiência cardíaca, por exemplo, uma exacerbação da DPOC pode ser acompanhada por piora do coração e vice-versa12.
Embora a DPOC seja impactada negativamente por múltiplas doenças, a própria DPOC é uma das condições mais importantes que afetam adversamente outros transtornos. Por exemplo, pacientes com insuficiência cardíaca congestiva ou aqueles submetidos a procedimentos cardíacos, como enxerto de revascularização do miocárdio tem maior morbidade e mortalidade quando a DPOC está presente em comparação com quando está ausente13.
DPOC e Doenças Cardiovasculares
A comorbilidade maior da DPOC é a doença cardiovascular (DCV) e há um aumento do risco cardiovascular e de hospitalização 2 a 3 vezes maior nestes doentes, sendo a redução do FEV1 considerada um marcador de morbilidade e mortalidade cardiovascular, havendo um risco mais elevado de doença arterial coronária, infarto do miocárdio (IAM), insuficiência cardíaca (IC) e arritmia14.
A prevalência de insuficiência cardíaca sistólica ou diastólica em pacientes com DPOC varia de 20% a 70%15. Elas possuem vários fatores de risco em comum, como a idade, o sedentarismo e, claro, o tabagismo12.
A associação entre a DPOC e as DCV piora os sintomas, como a dispneia, piora a qualidade de vida, reduz a tolerância ao exercício e aumenta o risco de hospitalização16.
Os mecanismos que fundamentam a associação entre DPOC e DCV possuem vários processos que são considerados importantes e podem interagir uns com os outros. Esses incluem hiperinsuflação pulmonar, hipoxemia, hipertensão pulmonar (HP), inflamação sistêmica e estresse oxidativo, exacerbações e genética compartilhada, bem como fenótipo da DPOC12.
A hiperinsuflação, caracterizada por gás residual anormalmente elevado nos pulmões após exalação, é um dos principais impulsionadores da piora e mortalidade da DPOC. É o principal mecanismo fisiopatológico que afeta a mecânica da respiração e pode ser estático (resultante da destruição do parênquima pulmonar e subsequente perda de recuo elástico pulmonar) ou dinâmico (ocorrendo quando um paciente inala antes de expirar completamente, prendendo o ar a cada respiração adicional). A hiperinsuflação reduz significativamente a eficiência dos músculos respiratórios e é cada vez mais reconhecida como uma das principais causas de dispneia (falta de ar)12.
Essa hiperinsuflação leva a um aumento da pressão intratorácica, diminuindo a pré- carga e o enchimento diastólico do coração. Com isso há uma redução do leito capilar pulmonar e consequente redução do retorno venoso.
A disfunção diastólica é, por definição, a redução da capacidade do ventrículo em completar seu enchimento, com baixas pressões e sem o aumento compensatório da pressão do átrio esquerdo. Portanto, seu enchimento é lento, atrasado ou incompleto17. O aumento das pressões intratorácicas e redução do leito capilar pulmonar que acompanham a DPOC podem contribuir com a disfunção diastólica e levar o paciente a desenvolver insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada18.
A associação da DPOC com IC é de difícil diagnóstico, sendo que muitas vezes o paciente já usa todas as classes de medicamentos para uma dessas doenças, mas sem grande resposta terapêutica. Esta pobre resposta associada a uma sintomatologia desproporcional deve sempre ser considerada para investigar a associação das duas doenças19.
O uso de Broncodilatador de Longa Ação (LABA) associado a Antimuscarínico de Longa Ação (LAMA) pode ser visto com cautela por algumas pessoas, por receio de que o aumento da FC prejudique o enchimento diastólico e leve a piora da IC ou até mesmo receio de arritmias. Porém, trabalhos recentes asseguram a segurança cardiovascular, mesmo em portadores de DCV19. O uso de broncodilatadores reduz a hiperinsuflação pulmonar, melhorando os sintomas da DPOC e consequentemente da insuficiência cardíaca19.
Um estudo publicado em 2018 mostrou o efeito da desinsuflação pulmonar com LABA + LAMA no enchimento ventricular em pacientes com hiperinsuflação + DPOC e procurou esclarecer se poderia melhorar a função cardiovascular, aumentando o enchimento diastólico do VE20.
A dupla broncodilatação melhorou significativamente a função cardíaca medida pelo volume diastólico final do ventrículo esquerdo. Os resultados são importantes devido à conhecida associação de comprometimento cardiovascular com DPOC e apoiam o uso precoce de broncodilatação dupla em pacientes com DPOC que apresentam sinais de hiperinsuflação pulmonar20.
Vários estudos mostraram a eficácia da associação do Olodaterol (LABA) com o Tiotrópio (LAMA) no dispositivo RespimatⓇ nos pacientes com DPOC, seja na redução da hiperinsuflação21, melhora no teste da caminhada22 e redução das exacerbações22.
Autor: Dr. Paulo Faileiros, CRM 123869 SP
Referências
-
1.
Celli B, Fabbri L, Criner G, Martinez FJ, Mannino D, Vogelmeier C, et al. Definition and nomenclature of chronic obstructive pulmonary disease: Time for its revision. Am J Respir Crit Care Med [Internet]. 2022;206(11):1317–25. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1164/rccm.202204-0671PP
-
2.
Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease Strategy Report 2023. Disponível em: https://goldcopd.org/. Acessado em Agosto de 2023
-
3.
World Health Organization (WHO). The top 10 causes of death. 2020. Disponível em https://who.int/news-room/fact-sheets/detail/the-top-10-causes-of-death. Acesso em 21.08.23
-
4.
Cruz M, Santos M. Epidemiology of chronic obstructive pulmonary disease in Brazil: a systematic review and meta-analysis. Em: Epidemiology. European Respiratory Society; 2019.
-
5.
Projeções da População [Internet]. Gov.br. [citado 10 de outubro de 2023]. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9109-projecao-da-populacao.html?=&t=resultados
-
6.
Menezes AMB, Victora CG, Perez-Padilla R, PLATINO Team. The Platino project: methodology of a multicenter prevalence survey of chronic obstructive pulmonary disease in major Latin American cities. BMC Med Res Methodol [Internet]. 2004;4:15. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1186/1471-2288-4-15
-
7.
CIS-SO_FIRJAN- Avaliação dos impactos da DPOC na saúde ocupacional brasileira (Dados ainda não publicados)
-
8.
Gov.br. [citado 10 de outubro de 2023]. Disponível em: http://tabnetdatasus.gov.br
-
9.
Barnes PJ, Celli BR. Systemic manifestations and comorbidities of COPD. Eur Respir J 2009; 33(5): 1165-85.
-
10.
Fabbri LM, Luppi F, Beghe B, Rabe KF. Complex chronic comorbidities of COPD. Eur Respir J 2008; 31(1): 204-12.
-
11.
Agusti A, Calverley PM, Celli B, et al. Characterisation of COPD heterogeneity in the ECLIPSE cohort. Respir Res 2010; 11: 122.
-
12.
Rabe K F, Hurst JR, Suissa S. Cardiovascular disease and COPD: dangerous liaisons? Eur Respir Rev 2018; 27: 180057.
-
13.
Krahnke JS, Abraham WT, Adamson PB, et al. Heart failure and respiratory hospitalizations are reduced in patients with heart failure and chronic obstructive pulmonary disease with the use of an implantable pulmonary artery pressure monitoring device. J Card Fail 2015; 21(3): 240-9
-
14.
Morgan AD, Zakeri R, Quint JK. Defining the relationship between COPD and CVD: what are the implications for clinical practice? Ther Adv Respir Dis. 2018 Jan-Dec;12:1753465817750524. doi: 10.1177/1753465817750524. PMID: 29355081; PMCID: PMC5937157.
-
15.
Bhatt SP, Dransfield MT. Chronic obstructive pulmonary disease and cardiovascular disease. Transl Res 2013; 162(4): 237-51
-
16.
J. Miller et al. Comorbidity, inflammation and outcome in COPD. Respiratory Medicine (2013)107, 1376-1384
-
17.
Gaasch WH. Diastolic dysfunction of the left ventricle: importance to the clinician. Arch Intern Med 1990;35:311-40
-
18.
Scott R, Snyder, BS. Diagnosis and treatment of the patient with heart failure. Disponível em: https://www.hmpgloballearningnetwork.com/site/emsworld/206842/ce-article-diagnosis-and-treatment-patient-heart-failure
-
19.
Vestbo J, Anderson JA, Brook RD, Calverley PMA, Celli BR, Crim C, et al. Fluticasone furoate and vilanterol and survival in chronic obstructive pulmonary disease with heightened cardiovascular risk (SUMMIT): a double-blind randomised controlled trial. Lancet [Internet]. 2016;387(10030):1817–26. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/s0140-6736(16)30069-1
-
20.
Hohlfeld JM, Vogel-Claussen J, et al. Effect of lung deflation with indacaterol plus glycopyrronium on ventricular filling in patients with hyperinflation and COPD (CLAIM): a double-blind, randomised, crossover, placebo-controlled, single-centre trial. Lancet Respir Med. 2018 May;6(5):368-378. doi: 10.1016/S2213-2600(18)30054-7. Epub 2018 Feb 21. PMID: 29477448.
-
21.
O’Donnell DE, Casaburi R, Frith P, Kirsten A, De Sousa D, Hamilton A, et al. Effects of combined tiotropium/olodaterol on inspiratory capacity and exercise endurance in COPD. Eur Respir J [Internet]. 2017;49(4):1601348. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1183/13993003.01348-2016
-
22.
Troosters T, et al. Abstract presented at ERS 2016; 853754